Cascavel (14 de junho) - Do negro que sofre com a discriminação ao indígena hoje criminalizado, do homossexual que sofre com o preconceito a mulher que é vítima de agressão. Da criança que é vítima de pedofilia ao idoso que sofre com maus tratos, do jovem que não encontra voz ao fiel que tem sua crença marginalizada.
Todos esses segmentos ocuparam na noite desta quinta-feira (13) o plenário da Câmara de Cascavel para a audiência pública coordenada pela Comissão de Educação, Cultura e Desporto. Apesar de proposto há cerca de dois meses, o debate aconteceu simultaneamente as discussões acerca da retirada ou substituição do projeto de resolução que cria a Comissão de Direitos Humanos (CDH) na Casa de Leis.
Os movimentos representados na audiência foram unânimes ao reforçarem a necessidade da implantação de uma comissão que seja ampla e que acolha segmentos que hoje encontram-se em situação de vulnerabilidade social e cultural. “Fiquei espantado ao tomar conhecimento da rejeição a criação de uma CDH na Câmara de Cascavel, especialmente o medo das palavras ‘gênero’ e ‘minorias’”, comentou o advogado Marcelo Navarro, membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Navarro foi convidado para explanar sobre a laicidade do Estado brasileiro. “A crítica ao Estado Laico por determinados segmentos religiosos representa uma contradição e desconhecimento de seu real sentido, uma vez que a laicidade representa também a liberdade religiosa. Enquanto os que defendem o Estado Laico estão preocupados com a liberdade religiosa, liberdade de culto, os que o atacam parecem estar preocupados apenas com seus próprios medos”, disse o advogado.
Representando a Igreja Anglicana de Cascavel, o reverendo Luiz Carlos Gabas, também lamentou as articulações contrárias a criação da CDH e aproveitou para fazer um alerta. “A religião pode ser um instrumento perigoso quando usada para disseminar preconceitos. Vemos com preocupação a retirada deste projeto, especialmente para nós que buscamos uma sociedade onde caibam todos, um mundo plural, da diversidade cultural, social, religiosa e também sexual”, disse o líder religioso.
Santo Graff, o "Gaúcho", representante da Confederação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil, repudiou a tentativa de substituição do texto original da CDH. “Vou trazer aos vereadores o estatuto da Comissão de Direitos Humanos criada na Câmara Federal para que entendam a importância desse projeto”, disse o sindicalista, ressaltando que os idosos hoje representam uma minoria abandonada de políticas públicas.
Violência
Casos recentes de violência e agressões contra homossexuais em Cascavel também estiveram em pauta. “LGBT é só um termo político, sou gay e estou farto de ver amigos violentados nas ruas. Não somos minorias, somos humanos que queremos os mesmos direitos e nada mais que os outros. Alguns precisam entender que Deus é amor, façam desse amor um instrumento para que todos sejam respeitados em sua essência e não um instrumento de destruição”, disse Elson Cyuwah, do Grupo Expressões.
Cleci da Cruz Martins, do Movimento Afro Vida, falou sobre o preconceito a religiões de matrizes africanas. “Temos um grande número de terreiros na cidade, especialmente nas periferias. Apesar disso tive que ouvir dentro do Núcleo de Educação que um "pai-de-santo" não pode entrar dentro de uma escola, pois a sociedade cascavelense não estaria preparada para entender nossas crenças (sic). Esse é o racismo institucional velado que se reflete na sociedade”, citou.
Para a estudante Paola Rolim, da Pastoral da Juventude, é preciso oportunizar maiores espaços de debates para discussão dos direitos humanos. “A juventude precisa ter mais voz. Hoje não querem nos ouvir, quando ofertamos uma flor nos mostram recebendo algemas. Precisamos de políticas públicas que vão além de políticas anti-drogas, contra a gravidez na adolescência ou a prisão. Os jovens precisam ser mais ouvidos em espaços como este”, ressaltou.
Também estiveram representados na audiência pública, a APP-Sindicato, o Núcleo Regional de Educação e a Secretaria de Educação de Cascavel, por meio do secretário Valdecir Nath.
Propostas
Ao final dos trabalhos, alguns encaminhamentos foram apontados pelos participantes da audiência. O professor Jefferson Kaibers, representante da Associação Cultural Baiacu, apontou a criação de uma comissão civil em defesa dos direitos humanos, além da consolidação da Parada da Diversidade Social, realizada pela primeira vez em Cascavel no fim de março, no calendário oficial do município.
Paralelo a Comissão de Direitos Humanos no parlamento, o vereador Paulo Porto (PCdoB) sugeriu a criação de um fórum permanente de discussão sobre o tema. Também foi sugerido a reativação do Centro de Direitos Humanos, órgão que já existe, mas que não está tendo atuação efetiva nos últimos anos.
Para Porto, o evento foi um momento importante para ampliação do debate a respeito dos direitos das minorias étnicas, culturais e de gênero. “O fato desta Câmara encontrar dificuldades em discutir essas questões não é ‘privilégio’ da Casa de Leis, apenas reflete diversas posições de parte da comunidade de Cascavel. Por isso nossa luta é fundamentalmente junto a sociedade cascavelense, na construção de uma sociedade mais humanizada, mais justa e onde o ser humano possa exercer sua identidade e diversidade em sua plenitude”, concluiu.
Julio Carignano/ Assessoria do vereador Paulo Porto
Legenda: Movimentos sociais, culturais e de gênero estiveram presentes na audiência pública
Fotos: Júlio Carignano