Com o intuito de relembrar um mártir da luta indígena e reverenciar aqueles que deram sangue por uma causa, militantes de movimentos sociais, movimento estudantil, dos direitos humanos, pastorais, de partidos políticos e professores reuniram-se na noite desta terça-feira (26) na Câmara Municipal de Cascavel em uma plenária em memória a Marçal Tupã-Y, liderança Guarani assassinada há 30 anos no Mato Grosso do Sul.
O ato político, proposto pelo mandato do vereador Paulo Porto (PCdoB) aconteceu no mesmo instante em que indígenas de Guaíra velavam na tradicional Casa de Reza de Tekoha Mirin, o corpo de Bernardino Coládio Ortega, assassinado no último fim de semana em atentado que ainda feriu outras três crianças indígenas, sendo uma delas em estado grave que continua internada em um hospital de Toledo.
O cacique Ilson Soares e a rezadora Paulina Martinez, convidados a participar do encontro, enviaram recado aos presentes relatando que os Guarani estariam presentes em memória tanto de Marçal quanto do irmão Bernardino.
Porto abriu a plenária falando do genocídio às comunidades Guarani Kaiowa, representada pelo número de mortes nos últimos anos no Mato Grosso do Sul. "São 264 assassinatos de lideranças em oito anos, sem que ninguém seja punido. Histórias com a de Marçal vem se repetindo no Mato Grosso e no Oeste do Paraná. Vivemos uma ascensão da intolerância e do preconceito contra os povos tradicionais", destacou.
Representante da Comissão Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Marcelo Navarro, falou sobre os direitos garantidos às comunidades tradicionais na Constituição Federal. "O Estado que deveria dar proteção a essas comunidades é quem por vezes massacra suas minorias. Historicamente quem tem mais direitos em nossa sociedade é o padrão branco, heterossexual e cristão".
Armelindo Rosa, o popular Beá, da coordenação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), ressaltou que os movimentos camponeses estão em processo de releitura da reforma agrária, que passa também pela defesa das comunidades tradicionais. "A reforma agrária também passa pela defesa de nossos territórios, das terras indígenas, quilombolas, faxinalenses, ribeirinhos".
A professora Jacqueline Parmigiani, da Unioeste de Toledo, lembrou que a memória dos mártires segue presente na luta territorial. "Estamos vivendo um momento complicado da história em nossa região, momento de reflexão e de articulação na defesa dos direitos indígenas. É preciso com urgência que sejam retomados os processos de demarcações no Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul". Opinião compartilhada pela antropóloga Sel Guanaes, da Unila (Universidade da Integração Latino Americana): "Nos assusta o processo que vive o Estado brasileiro, de um genocídio declarado e com apoio explícito do Governo Federal com sua política excludente e de expropriação destes povos tradicionais".
Para a professora Liliam Faria Porto Borges, presidente do PCdoB de Cascavel, a defesa da especificidade da luta indígena é a mesma dos trabalhadores, dos excluídos, de todo ser humano que precisa se impor para ter acesso aos bens da humanidade. "Fortalecer a diferença só é necessário numa sociedade onde deliberadamente as pessoas não são iguais. E quando falamos em igualdade, não estamos falando em sermos iguais enquanto individualidades, mas sim a exigência da igualdade das condições de vida, do direito e do acesso a sociedade construída pelas mãos do homem".
O reverendo Luiz Carlos Gabas, da Igreja Anglicana, fez menção a audiência pública realizada em outubro na Câmara que discutiu a Casa de Passagem em Cascavel. "Não faz muito tempo tivemos nesta casa de leis uma batalha contra o preconceito, contra e exclusão em relação ao povo Kaiguangue. Isso ainda está muito presente, mas naquela oportunidade conseguimos reverter uma situação. Hoje estamos novamente reunidos na defesa do direito destes povos manterem sua identidade cultural, sua riqueza, religiosidade e diversidade".
Carta
Ao final do encontro, as entidades presentes no ato assinaram uma carta que será enviada a ministra chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, a Defensoria Pública da União e a FUNAI (Fundação Nacional do Índio). O documento alerta para o forte ataque de interesses econômicos, a ofensiva de uma política anti indigenista, o avanço da expansão do capital sobre as terras indígenas, além de cobrar uma apuração rigorosa e punição aos crimes morais e físicos contra os Guarani e a retomada imediata de estudos e demarcações das terras indígenas no Oeste do Paraná.
No encerramento da plenária, Paulo Porto destacou que o ato de fazer memória é tornar presente aqueles que deram a vida por uma causa, da esperança dos que ainda travam essa luta e pela paz dos que ainda virão. "O filosofo alemão Walter Benjamin tem uma frase que fala que ‘se o inimigo vencer sequer os mortos estarão a salvos’, ou seja, a memória está em disputa o tempo todo", concluiu o indigenista.
Júlio Carignano / Assessoria de imprensa / Paulo Porto
Legenda: Ato na Câmara reuniu entidades e movimentos sociais solidários a causa indígena
Foto: Júlio Carignano